Simplicidade

"Sintaxe à vontade"

11:52

Domingo Triste

Sentimento simplificado por Caribé |



O homem canta


a tristeza esconde

o futuro inventa

o passado o consome
cervejará toda sexta

aos sábados outra vez

morrerá aos domingos

de tédio talvez

cometerá injúria

condenará sua mulher

a viver consigo

na esperança da fé

será bajulado

com a viola na mão

e contará os centavos

que sobra do quinhão

vai incendiar seu cigarro

com pose imponente

e depois de alguns anos

cairão os seus dentes

será escultura

um busto em bronze

na praça jazida

no lugarejo mais longe

falará tantas linguas

morrerá de fome

vai ganhar no bicho

a sentença de morte

nascerá para a elite

numa breve passagem

foi pobre uma vida

que nao lhe deixa saudade

a viola esquecida

no canto do quarto

só era bem-vinda

nos dias amargos

vestiu sua mulher

de toda avareza

se acostumou no perfume

da vida duqueza

numa tarde cinzenta

de um breve domingo

viu as roupas jogadas

e duas taças de vinho

a vista escura

a faca na mão

é sangue e perfume

são dois corpos no chão

se afastou inocente

tropeçou no violão

espalhou querozene

derrubou o lampião

e lembrou sorrindo

das serestas que fez

e num triste domingo

morreu outra vez

 
Diogo Caribé

01:40

A prática do Caos

Sentimento simplificado por Caribé |

Quando ouvi falar pela primeira vez sobre "A Teoria do Caos" e seu famoso efeito borboleta, fiquei logo fascinado pela possibilidade poética com que a física consegue prever uma ordem em acontecimentos, à primeira vista, aleatórios. O bater de asas de uma borboleta que poderia desencadear um tufão do outro lado do mundo foi a maneira simplória e enredística que a física usou para explicar tal efeito, enchendo assim nossa caxola repleta de imaginações infantis secretas - facilmente cortejada e manipulada pela industria cinematográfica hollywoodiana.

A dinâmica infinita a que submetem as resultantes no cálculo das variáveis é uma dança com troca de pares. Ou seja, um resultado passa a ser dado numérico de outro, e assim, entrelaçados, dançam ao bailado imprevisível fitado por olhares finitos.

Poucos param para pensar em coisas do tipo. Mas algo que não deve ter durado pouco mais de segundos, tal como um estalo, aconteceu na vida de um cidadão na conceituada universidade de Harvard nos EUA, e tal acontecimento interferiu na vida de milhões de outras pessoas com a criação de uma rede social chamada Facebook. Outro homem que
mergulhava tranquilamente nas águas do pacífico foi pescado por um hidrocóptero que colhetava água do mar para apagar um incêndio numa floresta causada por uma guimba de cigarro que um infeliz jogou por ali. Foram semanas para desvendarem o mistério do corpo com roupa de mergulhador tostado no meio da selva (Mas isso é só outro exemplo).

Não quero aqui escrever pequenas lições que aprendi com a vida de que "o que você faz pode interferir em tudo à sua volta". Porém quero falar de um fato marcante neste início de 2011: a crise no oriente médio gerada pela luta contra as ditaduras em vários países daquela região. A revolta popular que vimos no Egito e a  renúncia do presidente Hosni Mubarak foi uma vitória popular que encheu nossos olhos ocidentais de orgulho e nossos corações preguiçosos de inveja. O povo foi pra rua de peito aberto, e mesmo machucado, ouviu-se o grito de liberdade engasgado há décadas pelas mordaças da intolerância do governo.

Não obstante, influênciados pelo vizinho de "carro novo", viu-se em vários países "daquela mesma rua", o mesmo tipo de movimentos e rebelião contra governos absolutistas. Uma ação e reação em massa limítrofe, que só foi  possível por meio de uma rede social criada por um carinha lá de Harvard, resultando na revolta e, de contra-partida, uma represália que culminou numa terrível e sanguinária batalha civíl entre rebeldes e simpatizantes do governo Líbio.

Um enorme tufão de sangue e tiros de metralhadora, rodopiando selvagem por cima das cabeças de um povo que grita e anseia por liberdade, mesmo que pagando com a própria vida, desencadeado por uma borboleta: Um feirante Tunísio ateou fogo em si mesmo, cerca de um mês atrás, em revolta contra os impostos cobrados pelo governo, inspirando outros dois mártires que foram movidos pela mesma raiva e  influenciados pela pequena, porém inflamada brisa do bater de asas daquela borboleta. Entrelaçando os passos; trocando os pares; modificando as variáveis, que tiram pra dançar uma jovem egípicia que postou no Facebook que iria à praça, depois do trabalho, e atearia fogo ao corpo se nada fosse feito para mudar aquele estado de corrupção, pobreza e falta de respeito com que o governo tratava a população egípcia. Outros três garotos juntam-se à jovem com cartazes de protesto nas mãos e gritam o mais alto que podem. E são ouvidos. São ouvidos não só naquela praça, não só naquele país. São ouvidos em todo o mundo. E suas vozes transformam para sempre nossa história.

01:17

Sobre Meu Silêncio

Sentimento simplificado por Caribé |


Meu amor,
peço desculpas se sou eu tão desligado,
fizeste a mim poemas tão inspirados,
e eu tão tarde a declarar minha paixão.

Peço perdão,
por me ausentar mesmo estando ao seu lado,
tens nas mãos um coração embriagado,
que a tempo está ressaquiado de desilusão.

Diz pra mim,
O que é que sentes quando olha nos meus olhos?
Se vê verdade meu amor eu te proponho,
escute meu silêncio ele tem muito mais a dar.

Pois assim,
Sinto-me a vontade de te amar devagarinho,
Amando baixo deixo em paz os passarinhos,
Por que poeta algum sabe de fato o que é amar.

00:26

Pensamentos

Sentimento simplificado por Caribé |


As vezes acho que não tenho muito o que dizer.
Sei bem fingir simpatia, admito.
Mas não sei se camuflo muito bem meu desinteresse.
Uma conversa, por mais simples que seja,
Requer uma atenção pregada, e um mínimo de conhecimento sobre o assunto.
Não sei se consigo iludir bem com minha falsa opinião.
Embora meu sentimento de complacência seja nobre,
Me amarga o peito ter que ferir assim meus desejos.
Costumo dar muito mais atenção ao silêncio.
É quando consigo ouvir com clareza meus pensamentos.
Quiçá pudera não embaraçar-me ao permanecer em silêncio mesmo que acompanhado.
Mas os bons costumes me sufocam até que eu cuspa palavras sem muito enredo.
Ansiamos, mais do que tudo, a atenção de outrem. 
E quando não a temos, acabamos por notar que há algo errado com nossa simpatia.
Sei bem como é isso.
É horrível não ser "retwitado".
Mas ainda mantenho esperançoso o desejo,
De que quem me queira por perto, 
Possa entender que meu silêncio também é valioso.
E que se eu pareça meio "avoado"
É que estou apenas pensando...

23:49

Alma Rasa

Sentimento simplificado por Caribé |



E lá me vem esses dentes amarelos de carro alegórico.
Querendo abrir minhas alas com essa simpatia sincopada.
E as bocas querendo me beijar com seu veneno.
E os olhos querendo me despir a minha vergonha.
E as gravatas que vem querendo me lamber o pescoço.
E as academias querendo me definhar os rasos músculos.
E os papéis vem brancos implorando por novos rabiscos.
E vem meus pés querendo calçar novos caminhos.
E me vem meu sexo desejando invadir novos domínios.
E num dia tudo passa,
E no outro tudo volta.

02:46

Clepsidra

Sentimento simplificado por Caribé |


O maior erro da vida é achar que se tem tempo demais.
Que a morte só o alcançará quando estiver terminado de cumprir sua cartilha, sua agenda.
Que deve-se ler primeiro o manual e depois realizar todas as etapas.
Nascer, crescer, reproduzir, envelhecer e morrer.
E quanto ao viver??
Por que hesitar tanto em modificar-se?
Por que provar só um gosto?
Viver só de sobras de sonhos...
Olhar só de um jeito,
Dar sempre a mesma opnião.
Usar sempre o mesmo corte de cabelo.
Tão triste não ser mutável.
Mas nem todos compartilham da mesma percepção.


23:00

Adaptação

Sentimento simplificado por Caribé |



Há algo em mim que não seja cópia ou farsa?
Talvez minha tristeza seja cópia de outras tristezas
E quem sabe minha felicidade também, 
Seja cópia de outras felicidades que vi por aí.
Vivo um dia de cada vez.
E cada dia é um novo começo.
O começo do fim.
Já nascemos morrendo.
Já nascemos clichezados.
Tenho que marcar uma consulta com o médico,
Meu peito dói.
Preciso tratar meus dentes.
Talvez se meu sorriso fosse mais branco, 
Eu seria mais feliz.
Passo o dia todo cansado.
Talvez se eu começasse a ir a uma academia eu poderia ser mais feliz.
Não precisaria ter vergonha de tirar a camisa na frente das pessoas.
Como se o disfarce fosse suficiente.
Eu devia voltar a acordar cedo,
e não só depois do meio-dia.
Eu poderia correr, tomar vitamina,
seis ovos batidos com banana e farinha da pastoral.
Preciso mudar minha vida.
Preciso amar mais as pessoas.
Preciso ler um livro até o fim,
Preciso voltar pra faculdade,
Preciso do perdão de pelo menos 7 pessoas,
Que eu já não lembro mais o motivo da mágoa.
E algumas, não lembro mais quem são.
E se eu aprender um novo idioma, alemão ou qualquer outro.
E se eu viajasse sem rumo, sem dinheiro.
E se eu abandonasse tudo.
Desistir da vida.
Desistir da tv, do microondas, do controle-remoto,
do computador, dos pornos, das redes sociais.
E se eu desistir do conforto, da boa vida...
Ou posso aprender um novo instrumento. Um violino.
Posso tentar escrever um livro. E terminá-lo.
Eu seria um violonista escritor que fala alemão.
Eu seria mais feliz.
Seria formidável.
Talvez mudar o corte de cabelo.
Mudar o estilo de roupa; entrar na moda.
Parar de agir como um peixe fora d´água.
Parar de agir como um tipo estranho.
Parar de ser tão patético.
Ser sincero e seguro.
É o que as pessoas gostam.
Agora homem também precisa ser bonito.
Tenho que parar de me desculpar por existir.
Vai ver tudo isso tem uma explicação química.
Todos os meus problemas de desequilíbrio psicológico
são explicados por reações químicas.
Todos os meus distúrbios, meus medos.
São explicados por fórmulas numa lousa.
Sinapses errantes.
Preciso me tratar.
Mas vou continuar sendo uma farsa.
Nada vai mudar isso.
Mesmo se eu parar de ter certeza.
E acreditar que sou único.
Continuarei sendo uma farsa.

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